Uma História de Amor Corporativo

 

Nota inicial

Esta crónica é um exercício de opinião e sátira. As organizações e personagens são compósitos ficcionais; baseiam-se em percepções pessoais e lugares-comuns do sector. Qualquer semelhança com pessoas ou entidades reais é coincidência. Após a aquisição da imaginária Tretas Software pela internacional Consultora do Catano, nasceu a Consultora Engenhocas - nome perfeito para uma crónica, não para um organigrama. Em muitas consultoras (não em todas), a maquilhagem de marca brilha mais do que o trabalho. Na minha experiência, por detrás do verniz há um marketing exuberante e promessas que soam a um arco-íris permanente. A entrada é coreografada: anúncios luminosos, conversas motivacionais e boas intenções. Depois, percebe-se que a realidade é menos épica. O sorriso corporativo é competente; o dia-a-dia, nem sempre. A chamada “evolução de carreira” fica muitas vezes parada na vitrina. O que observei foram rotinas que interpreto como micro-gestão, pressão sobre equipas e uma fixação em apresentações que parecem substituir resultados. Há modas terminológicas e, de súbito, alguns são promovidos a seniores em conversa, mas na prática não fazem ideia do pouco que sabem, ficando alinhados com quem os promoveu (nem sempre os mais conscientes da realidade). Métricas antigas renovam-se com perfume novo. A fotografia interna é cuidada; o filme, por vezes, repete takes.

Do lado dos clientes, também existe de tudo. Para esta crónica, escolho um compósito ficcional de departamentos públicos e privados com quem muitos de nós já lidámos. Normalmente com nomes prestigiantes, sim; e, como acontece, o prestígio convive com constrangimentos, prioridades que mudam e decisões que nem sempre alinham com as melhores práticas de engenharia de software. Quase sempre após uma sucessão de mal entendidos, os projectos desviam-se do plano, mas só se nota quando as entregas começam a derrapar. Com sorte, a gestão de topo organiza uma sessão de cosmética corporativa, para o velho truque de lançar areia para os olhos em slides apelativos. Resumo operativo: No bingo das apostas, ao trabalhar numa consultora: nuns casos, temos a oportunidade de colaborar onde se investe muito e se acerta pouco; noutros, a casa está bem montada e tudo rola.

Por vezes deixam-te trabalhar e chegar a resultados excelentes, de outras vezes, não existe remédio senão baixar a bolinha e fazer o que te pedem, mesmo sabendo que não faz sentido nenhum... mas a necessidade de pagar contas costuma ter voz mais alta.

Em demasiados casos, o pouco acerto do alto investimento, é mascarado com publicações fabulásticas no LinkedIn e pronto, fica tudo certo.